terça-feira, 16 de setembro de 2008

Espelho

O espelho hoje encarei. Busquei em mim vestígios da menina risonha dos tempos de criança. E assim, por alguns minutos, no espelho eu vi cenas da minha vida. Das coisas que tive. Dos momentos que vivi. Das pessoas que amei. Das emoções que senti. Minha vida fora sempre um desafio. Eu a via como se ela não me pertencesse. Busquei ser o que queriam. Busquei viver como diziam. E assim, o tempo foi passando. Sonhava com meu jeito de ser... mas não o era. Pedia pra ser outra, uma outra que era eu. Confusa eu sempre fui. Pra agradar aos outros, muitas vezes não fui eu. Tive medo. Tanto medo de decepcionar. Acabei decepcionando a mim mesma. E nada é pior do que a cobrança interior. Tive desejos. Oh! Doces desejos. Tão singelos. Tão carnais. Tudo emaranhado. Tais como corpos. O meu. E o dele. Isso quando eu virava eu de verdade. Tive sonhos. Sonhos tão sonhados. Sonhos jamais confidenciados. Alguns realizados. Outros, bem guardados, esperando a hora de fazer de mim, eu. Tive ódio. Rancor. Muita dor. Tive amigos, inimigos e meros encontros da vida. Solucei ao chorar. Chorei ao sorrir. Brinquei. Idealizei. Fui menina quando precisava ser mulher. Fui mulher quando queria ser menina. Pedi colo. Emprestei ombro. Sofri sozinha. Amei sozinha. Viajei em pensamentos. Já quis desaparecer. Às vezes ainda quero. No espelho, continuo me vendo. Mas o tempo... tão forte... cruel. Me mostra que a vida não pára. Que os momentos não voltam. Que realidade existe. Mas que cada momento, por menor que seja, vai fazer sempre, tudo valer a pena. Pois, o que seria de mim, sem tudo que vivi? E assim, de momentos, continuarei a viver... a única diferença, é que agora, eu sou eu... sempre.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas; eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: -Em que espelho ficou perdida a minha face?

(Cecília Meireles)

Um comentário:

Anônimo disse...

Ciça,
Muitas das suas emoções são emoções nossas, dos seres humanos...bom eu acho, mas é mesmo importante a compreensão de que somos a somatória de tudo que vivemos.
Eu postei hoje um texto da Clarice Lispector que fala da compreensão ou incompreensão que podemos viver. Meio louco, mas é tão forte pra mim.
Esse poema da Cecília é lindo.
Beijos e boa noite