quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Teu gosto

Tens gosto de sol que nocauteia meu olhar
Incendeia minhas entranhas intrépidas
Aquece, arrepia minha pele com fagulhas
Irradia em mim, de mim, cada vez mais de você

Tens gosto de felicidade que ri cabisbaixa
Gargalha dos desesperos passados, atalhos
Sorri, sorrindo pelos recados não dados
Tão altos eles são, quando tocas a minha mão

Tens gosto de luz que afoga meu corpo
Nos seus olhos negros, pardos, espelhos de mim
Retratos do fogo que nos retém desnudos
Ilumina nosso passado, presente, invoca o futuro

Tens gosto de saudade que revela deslizes
Viaja no tempo, era março, era escuro, éramos nós
Revira os baús, relata os relatos, tão amargos
E refresca as memórias, tão nítidas, tão vivas, ferozes

Teu gosto mergulha em mim
Tempestade de você calando o tempo
Que gosto é esse meu bem?
Seria doce, como nossas noites?
Que gosto é esse meu bem?
É gosto de amor... apenas amor.

Quebra-cabeça

Uma parte
De mim
Em você
Um quebra-cabeça
Pela metade
Outra metade
Tu levas

E
Ando por aí
Com um buraco
No peito
Aberto
Que sangra
Sem a tampa
Que tu tens

Cabeça
Quebrada
Despedaçada
De tanto pensar
No tempo perdido
Nos idos
No que pode vir
E não vem

Fragmento
Grande
Pesado
Carregas aí
No peito teu
De mim
Dessa ferida
Remédio
Tu és

Quebra-cabeça
O corpo
A mente
Coração desfalecido
Partido
Chora
Argumenta
E lamenta
A ausência

Parte de mim
Partes de nós
Tu partes
Eu parto
Partida estou
Ao meio
Aí estou
Na sua rua
Em ti
Vagando

Aqui fiquei
Um pedaço
Sem laço
Amassado
Apertado
Amarrada
No verso
Da falta
Que tu faz

Eu sou
Tu és
Quebra-cabeça
Um só
Dilacerado
Em peças
Que se encaixam
Num beijo

sábado, 22 de setembro de 2012

O sonho


Sonhei
E nesse sonho
Sonhei que estavas aqui

Sonhei
Que sonhava com sua boca
Na minha testa
Sonhei que me beijava
E que sorria

Sonhei
Enquanto sonhava
Com seu sorriso
Velando meu sono
E sua roupa preta
Era vulto na noite

Sonhei
Mas era dia
Havia luz por uma fresta
Da janela fechada
Do quarto pequeno

Sonhei
Enquanto sonhava
Que tu cabias aqui
Sem os olhares
Alheios
De pesadelos

Sonhei
Enquanto dormia
Com um sonho
Da vida real
Que não tenho

Sonhei
Que teus olhos vigiavam
Meus sonhos
Acariciavam
Minha respiração
Profunda
Enquanto eu estava
De olhos fechados
Para sua presença
Em meu sonho

Sonhei
E teus lábios estavam gelados
Do inverno
Que foi embora
Tu foste também
Embora
A passos ligeiros
Dos meus sonhos
Do sonho dessa manhã
Fria
De primavera

E o sonho
E tua boca na minha pele
Ficaram
Ainda sinto
O sonho

O trem


O trem ecoa
Ecoa pelo bairro
Ecoa pelo ar
Ecoa o peito
São gritos calados
Bem altos
Avisando a estação
Chega o sol lá fora
E na televisão só tem chuva
Mas o trem passa
Passa nos trilhos
Passa pela cidade
Mas não passa a saudade
De dia
De noite
Em casa
Na poeira que voa
Pelos sonhos
Pelos carros
Pelo trem
Que leva o sono
Que grita
Que maquina
Informa
Que a vida bate na porta
Que a Primavera reluz
Mas o sono persiste
Na cama vazia
E o trem reclama
Avisa dos desavisados
Suspira às desesperanças
Canta aos sonhadores
E o trem vai
Vai para o Sul
Ao Norte
Ao vento
Ao tempo que corta
Sentencia os batimentos
Assusta os tormentos
O trem
Ele vem
E vai
E o coração
Sempre fica
Acelerado
Silencioso
E só

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Mãos

Sinto falta das suas mãos
Há um pedaço de sol nelas
E minha pele canta

Sinto falta das suas mãos
Tão fáceis de alcançar
Os pedaços das horas que temos

Sinto falta das suas mãos
Que temem a escuridão
De nossos seres sedentos

Sinto falta
das mãos
das mensagens
que delas vêm
aos poucos
intensas são
as suas mãos

Sinto falta das suas mãos
Seguras entre os desatinos
Que revelam futuros

Sinto falta das suas mãos
Envoltas em fogo
Dando brilho aos faróis

Sinto falta das suas mãos
Dos seus dedos inflados
Passeando em meus cabelos

falta eu tenho
das noites
das águas
que nos afogam
aos poucos
em tuas mãos
sobre mim

domingo, 16 de setembro de 2012

A morte, por isso


A gente ainda vai morrer disso
Seremos execrados pelos cantos da cidade
Sofreremos durante a distância
Uma dor por noite de sacrifício
A morte chegará a conta-gotas
Enquanto os nãos nos cercarem
E choraremos em celas separadas
E ainda que nossos corpos se toquem
Nossas almas ficarão detidas
Em partes opostas do tempo
Morreremos enquanto as horas passam
E a vida for menor do que ontem
Continuamos vítimas de escolhas incertas
E da ausência de compreensão mundana
Eternamente conversaremos por olhares?
Estamos morrendo
Sufocados
Por uma saudade monstruosa
Que nos come cada resto de dia
Que nos devora os sentidos
Enquanto fingimos prazeres
E um quadro se desenha
É pendurado na parede das mentiras
Para a visão dos infortúnios
E a morte se aproxima
Toma-nos os centímetros de pele
De corpo que só vive no outro
De rosto que só sorri em noites insanas
A gente ainda vai morrer disso
Isso, sem nome dizível
E a dúvida paira
Sobre nossos sonhos empoeirados
Ainda haverá vida em nossa morte?

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sobre uma distância que não há

Não ouse pedir
Que negue a verdade
Não ouse pensar
Que vou perdoar (hoje)
Já se foram muitos anos
E não há mais espaço
Pra que outros me atormentem
"Eu te amo pra sempre é pouco"
E eu sinto a verdade em seus olhos
Mas atitudes valem mais (às vezes)
Do que palavras ditas no silêncio
E há a justiça
Divina ou não
Que me leva daqui
Pra longe do sul
Pra longe das noites
Das ruas escuras
Onde fantasmas aparecem
Onde lágrimas escorrem
Onde orgasmos ecoam
Levou contigo um pedaço 
Tão lindo que dói
Tão seu e tão dentro
Que não há tempo que apague
Não há espaço que sufoque
Não há morte que mate
Mas não
Não, não vou esperar
Não ouse julgar
Só se perde o que se tem (tu tens)
E eu
Eu sou do mundo, agora